Crenças limitantes e a mudança de hábitos

Como identificar crenças limitantes que influenciam hábitos e atrapalham relacionamentos pessoais e profissionais.

Muito se fala sobre crenças limitantes e a mudança de hábitos. São temas recorrentes em palestras e workshops, já que sem esse entendimento é bem difícil modificar rotas e caminhos de quem está em busca de alguma transformação. A diferença é como conectar essas duas coisas e trabalhar para modificá-las.

Antes de mais nada, é preciso entender o que são crenças.

Limites do modelo mental humano

Todos os seres humanos, em qualquer parte do mundo, têm crenças. Elas são passadas de geração em geração, desde os primeiros anos de vida e fazem parte da natureza humana. As crenças mais fortes são aquelas criadas já na primeira infância e serão a base para muitas decisões, criação de novas crenças e instalação de hábitos durante toda a nossa vida.

As crenças são os “limites” de nosso modelo mental, programações neurais que vamos aprendemos durante a vida e vão se reforçando ao longo de nosso desenvolvimento. De forma inconsciente, são encaradas como verdades absolutas, sem uma análise mais profunda do porquê de existirem.

As crenças limitantes mais fáceis de serem identificadas, mas nem por isso estão na superfície da nossa consciência, são aquelas transmitidas por frases repetidas pelos nossos familiares, incontáveis vezes.

Veja se já ouviu alguma delas:

  • Nascemos pobres e vamos morrer pobres…
  • Você faz tudo errado…
  • A felicidade dura pouco…
  • Nossa família foi feita para sofrer…
  • A sorte errou de porta, ela só parece no vizinho…
  • Só o trabalho árduo tem valor…
  • O lazer é o ócio que leva à pobreza…
  • Não nasci para o amor…
  • O dinheiro é sujo e leva às pessoas para o mal…
  • Mulher honesta é recatada…

Como nascem as crenças limitantes

A instalação de uma crença é um processo natural que acontece pelo simples fato de que a função do nosso cérebro é produzir uma representação interna sobre tudo aquilo que vemos, ouvimos e sentimos.

Ele busca as respostas mais adequadas para o momento que estamos vivendo, automatiza o maior número de processamentos mentais possíveis e cria conexões neurais robustas, com grande tráfego de informações.

Assim a implantação de crenças nasce com uma intenção positiva de preservar e controlar nossa interação com o mundo a nossa volta. É uma forma do nosso cérebro poupar energia ao olhar uma situação, ligando esse cenário a uma crença e tomar decisões rápidas e seguras.

A segurança de acreditar em uma verdade familiar é entendida pelo nosso cérebro como uma caminho para a felicidade. Já que ao partilhar de uma mesma crença, passo a ser incluída no grupo e reduzo o risco de ser excluída, o que causaria sofrimento.

Porém, ao longo do tempo, algumas dessas crenças deixam de ter a função agregadora e acabam nos limitando, mesmo que com a intenção positiva. O fato é que, neste momento, essas conexões neurais já são fortes o bastante para ditar nossas respostas.

Crenças e a realidade

A realidade é que Crenças Limitantes nem sempre condizem com a realidade. Sim… essa frase foi criada assim de propósito!

Na maioria das vezes, as crenças são falsas ou têm verdades parciais, mas o nosso cérebro está constantemente buscando padrões em experiências anteriores para se sentir seguro. E ele irá buscar esses padrões em nossas conexões neurais mais robustas.

Exemplo clássico desse tipo de conexão com padrões ou experiências anteriores:

Sou convidada a coordenar um novo projeto, que é encantador. No entanto, tenho a crença de que preciso realizar toda e qualquer atividade com extrema qualidade, com perfeição e que não posso errar, mesmo sendo uma tarefa totalmente nova para mim. Durante a minha infância, ouvi diversas vezes a afirmação: “Para você vencer precisa ser a primeira da sala. Notas inferiores a 10 demonstram falta da dedicação.”

Mesmo na fase adulta, senhora das minhas decisões, essas afirmações são verdades absolutas para o meu cérebro. Rapidamente processo as informações sobre o novo cenário e passo a acreditar que não estou pronta. Penso que talvez se meu inglês fosse melhor ou se eu tivesse feito aquele outro curso. Como uma forma de decidir rápido e me proteger de futuras tristezas ou frustrações, recuso o convite ou crio boicotes para não ser a escolhida. O resultado é que não assumo o novo projeto, me sinto triste e frustrada por nada dar certo para mim.

Não é irônico? A crença – criada para me proteger de frustrações – me ensinou que preciso me dedicar para vencer. No entanto, ela me limita a aceitar desafios porque acredito que nunca estou preparada. Logo passo a ser infeliz e frustrada.

E provavelmente a realidade desse caso fictício é que os gestores que fizeram o convite acreditavam no real potencial da profissional. Assim é fundamental sempre se perguntar se a minha verdade é a realidade dos outros.

Crenças limitantes e o sistema familiar

Existe ainda uma forma mais eficaz para transmitir crenças limitantes, isso porque acontece de forma totalmente inconsciente, muitas vezes sem a formulação falada ou escrita.

O psicoterapeuta Bert Helliger, utilizando técnicas de psicodrama, apresentou uma forma de tornar visível algumas crenças ocultas nas dinâmicas familiares que impactam fortemente os relacionamentos por gerações. Essa técnica é conhecida mundialmente como Constelação Sistema Familiar e permite colocar luz em crenças que são transmitidas de gerações para gerações.

Para facilitar o entendimento, podemos dizer que as crenças são transmitidas de forma inconsciente, como as características físicas estão escritas no nosso DNA. É quase que um DNA psíquico (os médicos vão me matar!). São premissas que nos ligam a esse grupo e, na maioria das vezes, não temos ideia de que acreditamos tão fortemente nessas verdades. Não temos a dimensão de como elas nos guiam por toda a nossa vida… ou até que tenhamos consciência.

No final das contas, não importa muito se as crenças limitantes foram criadas através de frases, de comportamentos ou pelo inconsciente do nosso sistema familiar. O importante é colocar luz, trazer para a consciência, crenças que estão instaladas e que podem estar prejudicando o nosso desenvolvimento profissional ou os nossos relacionamentos.

O que é um hábito

Alguns estudos dizem que mais de 40% das atividades que realizamos no nosso dia-a-dia são automáticas. São tarefas diárias em que não precisamos estar totalmente concentrados para realizar. Exemplos?

  • escovar os dentes e tomar banho
  • dirigir e caminhar até a padaria
  • almoçar e jantar
  • se vestir e escovar os cabelos

Segundo o livro O Poder do Hábito, de Charles Duhigg, uma vez que o hábito começa a se desenrolar, nossa massa cinzenta está livre para ficar em silêncio ou dar sequência a outros pensamentos.

Os hábitos, dizem os especialistas, surgem porque o cérebro está o tempo todo procurando maneiras de poupar esforço. Se deixado por conta própria, o cérebro tentará transformar quase qualquer rotina num hábito, pois os hábitos permitem que nossas mentes desacelerem com mais frequência. Este instinto de poupar esforço é uma enorme vantagem. Um cérebro eficiente exige menos espaço, o que permite uma cabeça menor, tornando o parto mais fácil e portanto causando menos mortes de bebês e de mães. Um cérebro eficiente também nos permite parar de pensar constantemente em comportamentos básicos, tais como andar e escolher o que comer.

O livro explica que o hábito se forma basicamente seguindo um esquema muito simples. Primeiro existe um gatilho, uma deixa. Na sequência, vem a ação que irá gerar uma recompensa. Um exemplo simples que é descrito é o hábito de escovar os dentes ao acordar. O gatilho é o levantar, a ação é o ato de pegar a escova, passar o creme dental e escovar os dentes. E a recompensa é ter a sensação refrescante que faz o cérebro perceber que os dentes foram limpos.

Veja essa imagem que apresenta um loop de hábito bem típico dos dias atuais.

Quadro com o Loop do Hábito, apresentando o gatilho, a rotina e a recompensa que implantam os hábitos. Figura baseada no livro O Poder do Hábito, Charles Duhigg
O Loop do Hábito, descrito por Charles Duhigg no livro O Poder do Hábito

Estou trabalhando e a atividade vai ficando tediosa. Meu cérebro – que é louco por uma novidade – está atento a outros sinais externos. O celular vibra e eu pego para verificar se há alguma mensagem urgente. Percebo que é uma notificação do Instagram, que me oferece lindas fotos e distrai meu cérebro da atividade maçante.

Nas primeiras vezes que me permito a repetir essa ação, meu cérebro ainda não armazenou essa informação nos gânglios basais. Mas a partir da repetição, meu cérebro identifica a recompensa (ter prazer com lindas imagens) e antecipa a recompensa. Pronto, o hábito foi instalado. Sem perceber, todas as vezes que o trabalho fica cansativo e o celular vibra, meu cérebro antecipa a recompensa e eu automaticamente verifico as mensagens do celular, indo diretamente para o Instagram, mesmo sem mensagens urgentes.

Assim, é através de ciclo que os hábitos – saudáveis ou prejudiciais – são criados e instalados. A má notícia é que o Loop do Hábito dificilmente é apagado dos gânglios basais. Na verdade, só será completamente apagado se os gânglios forem danificados. E isso nós não queremos.

A boa notícia é que ao identificar o gatilho e a recompensa podemos substituir a ação/rotina. Essa é a chave do negócio. Muitas vezes pensamos apenas no hábito ruim e queremos mudá-lo, mas não paramos para refletir sobre qual é o “clique” que nos leva ao ato. E principalmente qual é a recompensa que o cérebro antecipa.

É fácil? Por experiência própria afirmo que não é fácil. No entanto, é mais rápido do que se pode imaginar e muito mais prazeroso do que conviver com um hábito que está nos levando para o buraco.

Para provar vou dar mais um exemplo, agora pessoal.

Sempre convivi com o efeito ioio: emagrece e engorda. Aos 40 anos, após o nascimento dos meus filhos resolvi definitivamente sair desse ciclo. Fiz uma lista de tudo que poderia me ajudar a emagrecer e manter a minha forma mais saudável, sem passar fome ou restrições. Entre todas as mudanças que eu fiz (que são muitas e contarei em outras oportunidades) uma foi bem simples e simbólica.

Sou fissurada por doces, uma verdadeira formiga. Sempre que terminava de almoçar ou jantar, obrigatoriamente, precisava comer algo doce, mas não frutas. Mesmo adorando frutas, a sobremesa tinha que ter açúcar refinada, gordura trans ou algo que me desse a recompensa por uma manhã ou dia tão cansativo.

Há cerca de 7 anos, quando comecei a mudar isso, não havia lido o livro e não sabia como o Loop do Hábito funcionava. Mas a minha estratégica vitoriosa, feita de forma bem intuitiva, seguiu o roteiro que eu viria a ler bem mais tarde. Mantive os gatilhos: almoço e jantar. E mantive a recompensa: relaxar após as refeições. Substituí a rotina: doce por café. No começo, café adoçado com açúcar, depois com adoçante e atualmente puro. Mas antes de colocar o café na boca, sempre penso: “hum… meu momento de relaxar”. E não é que funcionou?

Crenças e hábitos

Agora que entendemos basicamente como são criados e implantados as crenças e os hábitos, a pergunta é: como essas duas coisas se conectam?

Para mim, que tenho paixão por entender mais sobre o automatismo cerebral e tenho pesquisado, entendi que estão intimamente ligados. Se acredito realmente em algo e essa é uma verdade absoluta para mim, penso que serei muito mais feliz criando hábitos que fortaleçam essa minha crença.

Voltando ao meu exemplo real.

Meu padrão físico é muito mais parecido com a minha família materna e fui levada a acreditar que poucas preferências me ligam ao meu lado paterno. Uma preferência em especial é simbólica: meu amor pelos doces e uma tendência ao diabetes (tive diabetes gestacional controlada por alimentação). Desde cedo ouvi minha mãe dizer: você é formiga como seu pai e a mãe dele. Detalhe: os dois desenvolveram o diabetes.

Quando menina, minha diversão no domingo após o almoço era brigar com meu pai pelo pote de sorvete. Adorava roubar mais um pouco do sorvete antes que meu pai o fizesse. Na minha memória ainda está registrada a alegria de tomar o sorvete ao lado dele, sabendo que partilhávamos algo em comum.

Quando entendi isso, substituí o sorvete pelo café, mas mantive as conversas e as brincadeiras com meu pai. Aos poucos a nova rotina foi sendo transformada no velho hábito, mas com menos calorias.

Sempre que chego na casa deles, minha mãe fala: “vamos passar um café? Você e seu pai adoram um café fresco”. Claro que ainda gostamos de doce! Mas a recompensa (garantir a conexão entre pai e filha) era muito mais importante do que o doce que sem controle leva a obesidade, ao diabetes e a problemas sérios de saúde.

Katia Marim Treviso turistando na cidade de Jaú, com a mãe Angela e com o pai Laudemar.
Eu turistando com meus pais na cidade de Jaú, cidade natal do meu pai

Tenho diversos outros exemplos de como mudei hábitos prejudiciais depois de reconhecer crenças, gatilhos e recompensas. E prometo compartilhar com vocês em breve.

Mudando crenças e hábitos

Para fazer essa jornada é possível seguir diversos caminhos, mas todos eles devem ter como objetivo o autoconhecimento. Terapias, meditação, rodas de conversa, leituras, workshops são muito bem vindos. Mas se você quer começar logo, então siga esses passos:

  1. Faça uma lista de frases que você ouviu da sua família desde sempre: dei alguns exemplos no começo desse artigo.
  2. Por uma semana, observe como seu cérebro julga as pessoas ao usar automaticamente as frases que você listou.
  3. Classifique as frases, colocando no topo aquelas que você mais acessou. Parabéns: você encontrou suas crenças limitantes.
  4. Agora é hora de fazer a lista de hábitos que você gostaria de mudar.
  5. Liste todos, mesmo que a lista fique grande.
  6. Mas escolha apenas um para começar.
  7. Observe por alguns dias, o que leva você a praticar esse hábito. Esses são os seus gatilhos.
  8. Anote esses gatilhos no mesmo papel que você fez as suas listas.
  9. Anote também como se sente, quais são as recompensas.
  10. Com tudo anotado, procure fazer uma conexão das suas crenças mais limitantes ao seu hábito mais irritante.
  11. Se você tiver um EURECA!!!! Como nunca pensei nisso… Você está pronto para substituir a ação/rotina em outra.
  12. Pense agora na ação que quer colocar no lugar daquela rotina antiga que você não curte.

Lembrete: não tente eliminar o hábito pelo hábito, porque senão ele vai voltar. Na primeira cochilada ele vai voltar, eu garanto!

Substitua a rotina. Se você quer ser mais ativo, começar uma atividade física por exemplo, use o mesmo gatilho e se dê uma recompensa. Por exemplo: gatilho seria sair do trabalho. A substituição da rotina seria: trocar o sofá pela esteira. A recompensa: trocar o relaxamento por um chocolate.

Tenho certeza que se seguir esses passos, vai conseguir fazer alguma mudança de hábito e depois irá usar o mesmo método para coisas bem mais complexas na sua vida. Aí você compartilha comigo e com outras pessoas a sua história. Vamos incentivar outras pessoas a seguirem esse caminho que traz muito mais alegria e leveza ao nosso dia a dia.

Abaixo algumas referências sobre o assunto tratado nesse artigo:

O Poder do Hábito, de Charles Duhigg

Constelações Familiares, Bert Hellinger e Gabriele ten Hövel

Podcast Bom Dia, Obvious: Episódio 22

Podcast Autoconsciente: Episódio 53

Katia Marim Treviso

Kátia Marim Treviso é jornalista de formação, trabalhou mais de 20 anos no ambiente corporativo como executiva de Marketing. Atualmente é sócia-proprietária da Zunca Press Conteúdo Digital, especializada em Marketing Digital e criadora do movimento Agite sua Essência.

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